sexta-feira, 17 de junho de 2011

Espelho

Sente tremores, calafrios às lembranças dos beijos, dos abraços, das mãos, pêlos, corpo quente e suado. Frente ao espelho olha as rugas, os pés de galinha e a pele agora flácida.
Sua alma geme, sente dor e grita incessantemente “você está velha e só”. Jurara nunca amar. Sua vida é oco. Quartinho com banheiro, cubículo, em um lugar qualquer. A única luz que entra pela fresta do basculante ilumina o vazio do vestíbulo. Reflete seu rosto na vidraça com losangos idênticos. A única coisa estranha é seu rosto velho, disforme.
Escorre uma lágrima relutante que não quer cair por teimosia. Enxuga-a com ódio e força de arrancar raiz da terra. Sabe que seu destino está traçado. Penteia os cabelos, agora quase brancos. Pinta os lábios, murchos, vermelho carmim, como quem se debruça numa tela. Borrifa, sutilmente, jatos de perfume no colo. Coloca sua meia calça preta lentamente, como analista...
Batem à porta, levanta-se num salto, acorda de um sonho... É hora de voltar ao trabalho e atender ao primeiro cliente da noite. 













Nenhum comentário: