sexta-feira, 20 de abril de 2012

"Tempos de delicadeza"

    Estou lendo "Tempos de delicadeza", de Affonso Romano de Sant'Anna, grande poeta brasileiro. Em meio ao caos mundano, esse livro me caiu como uma luva.
    Antes de iniciar a leitura do livro analisei minunciosamente o título do mesmo, parte por parte, como se fosse dissecá-lo para tentar desvendar o seu conteúdo. Tenho dessas manias, tento fazer uma pré-visualização do que o poeta irá me apresentar. Essa é uma prática saudável e aguça os sentidos. Mas, também eu poderia iniciar minha leitura sem ter que analisar o título ou o que quer que seja, e assim adentrar o conteúdo do livro de uma forma "desarmada" e ver o que o poeta iria me apresentar.
    Mas não foi por acaso que escolhi esse livro para ler de forma distraída e descompromissada. A priori a minha escolha foi pelo título da obra, pois ele é direto e bem sugestivo, além de irônico, "tapa com luva de pelica". Em segundo lugar escolhi o livro por causa do escritor, por já ter lido muitas coisas de suas outras obras. E em terceiro lugar foi por causa de meu amor, esse livro me foi sugerido e emprestado. Que fique claro que a ordem aqui não queira dizer prioridade, mas sim o que minha memória conseguiu de uma forma desordenada ordenar as coisas. 
    Mas, deixando de explicações, vamos ao conteúdo do livro. A maioria dos textos foram publicados em vários órgãos de imprensa do país. Neste livro o poeta trata de assuntos corriqueiros da vida com o olhar demorado e singular da poesia. Para resumir o tema do livro, transcrevo aqui parte de seu texto inicial, o que me fez escrever essa postagem, crônica, conto, relato, história ou sei lá o quê, chamem vocês caros leitores como quiserem:
      "Sei que as pessoas estão pulando na jugular uma das outras. 
       Sei que viver está cada vez mais dificultoso.
      Mas talvez por isto mesmo ou, talvez devido a esse maio azulzinho, a esse outono fora e dentro de mim, o fato é que o tema da delicadeza começou a se infiltrar, digamos, delicadamente nessa crônica, varando os tiroteios, os sequestros, as palavras ásperas e os gestos grosseiros que ocorrem nas esquinas da televisão e do cinema com a vida. (...)
     Sei o que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados.
     - E eu não sei?
     Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados."
(Trecho da crônica "Tempos de delicadeza")

    Em meio a brutalidade de nosso cotidiano, da crueldade do ser humano frente a outro ser humano resolvi fazer essa postagem. Não há justificativa plausível para ser grosso, cruel e desumano com as outras pessoas. E não são as grandes atrocidades que são ditas brutais, mas a nossa brutalidade é tão sútil, que, às vezes, em pequenos atos, em palavras ríspidas, em gesto de indelicadeza que ela aparece e nem percebemos o quanto fomos brutos. Quando se percebe a pessoa já fez um pré-julgamento da gente, e encontra-se bem afastada de nós. E o pior, já saiu por aí espalhando para todo mundo o quanto somos brutos. É a nossa imagem feita. 
    O sorriso é nosso cartão de visita, não devemos estragá-lo ao abrirmos a boca e sermos brutos. Do que nos adianta um belo sorriso se de nossos lábios são profanadas palavras ríspidas? às vezes é melhor ficar calado que falar besteiras. No nosso cotidiano a indelicadeza impera, a cada contato com as pessoas, entre dez, oito foram brutas, e suas imagens foram feitas por nós e espalhadas por aí. Exagero meu? Não! Vou citar alguns exemplos, quantos de nós entramos num ônibus e damos bom dia, boa tarde ou boa noite ao cobrador? E ao sairmos agradecemos ao senhor motorista? Não! Se todo mundo disser que sim é mentira, pois tenho certeza que muitos de nós achamos que eles não estão fazendo mais que suas obrigações. Errado! Ser gentil independe de obrigação, é questão de educação. Quantos de nós fazemos pré-julgamentos das pessoas mesmo antes de conhecê-las? Quantos de nós ignoramos outra pessoa por ela não fazer parte de nosso grupo, de nosso status social ou o que quer que seja? Pois só lhe damos com pessoas que se pareçam conosco ou eu estou errada? Quantos de nós não damos bom dia, boa tarde, boa noite em locais que adentramos ou que chegamos atrasados? Quantos de nós ignoramos a autoridade das pessoas, passando por cima de leis e regras para satisfazer nossos desejos pessoais?  Tudo isso é indelicadeza. Eu poderia passar um bom tempo aqui escrevendo indelicadezas que cometemos no nosso dia-a-dia, mas prefiro passar para o próximo parágrafo, pois todo mundo sabe o quanto é indelicado com os outros. 
    E não adianta dizer que é culpa do governo, da "justiça injusta". Acredito que muitas pessoas não sabem o significado de "dar tapa com luva de pelica". É o mesmo que ser delicado, brutalmente delicados! Do que adianta "pagar na mesma moeda"? Aí me veio aquela frase de Shakespeare "Ser ou não ser, eis a questão"? Tá na dúvida, é melhor não ser, seja você mesmo, mas se ser você mesmo é ser que nem os outros, então seja um outro, o que ainda não existe. Mude. Seja acima de tudo delicado!
    Ser delicado não é questão de gênero, tanto o sexo feminino quanto o masculino, quantos gays, lésbicas, transsexuais e outros gêneros podem ser delicados. Delicadeza vem de dentro do coração, muitas pessoas precisam com certa urgência passar por uma desintoxicação  coronária, talvez pulmonar, pois as pessoas são movidas pela brutalidade, assim como também a respiram. 
    Na contemporaneidade, seguindo para o futuro, digo que é necessário praticarmos a delicadeza, pois já estamos vivendo em tempos de caos, assim como o mundo foi criado num caos, sem querer aqui defender nenhuma tese sobre a criação e existência do ser humano, vai ser difícil mudar o que já está predestinado, e de novo sem querer defender teorias de destino e pré-destinação, apenas digo isso pelo simples motivo de nós mesmos estarmos criando um caminho sem volta, que se escreve em nossas vidas. Senão a guerra não seria a desestabilização da harmonia, e só existe guerra pela insatisfação do ser humano em querer mais do que tem, e em querer ser mais do que pode ou mais do que os outros, isso é indelicado, brutalmente indelicado. 
    Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados."

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