terça-feira, 2 de agosto de 2011

A vida rasga em dor de parto




      A vida rasga em dor de parto na noite do centro das cidades, e também nos cantos imundos, nas vielas e buracos de ratos que as pessoas dormem ou dão o seu último suspiro de dor, sofrimento para acabar com suas agruras . Pessoas passam e não vêm que uma vida pulsa a sua frente, em estado terminal e degradante. Pessoas hoje não fingem mais não ver, elas não vêm simplesmente que um outro está ali. 
      Constroem uma redoma, com a farsa que vivem, são incapazes de sentir qualquer coisa que não sua respiração. É humilhante ver crianças que não sentiram sequer o sabor do leite materno, nem mesmo sabe o que é ser amados ou ter uma mãe. Pai? Não, essa figura para essas pessoas não parece tão necessária, mas a mãe em qualquer lugar é imprescindível. Eles se grudam a uma estranha na rua, e faz dela o seu refúgio, sua fortaleza.
      Os idosos arrastam-se pelas paredes, ou engatinham em busca de restos de alimentos. Pessoas reviram lixo, come comida estragadas das latas que os restaurantes jogam fora. Comida essa que poderia alimentar milhares de pessoas que nem sequer sentiu uma migalha cair no estômago hoje. Que até já esqueceu que tinha que se alimentar. Já são 17:00 horas, e as horas passam rastejando para essas pessoas. Os donos de restaurantes dizem que não se pode dar comida a elas, então que mutem seus clientes com taxa de desperdício de alimento, que mutem sua ignorância e alma mesquinha. Se eu tiver pagando, dou comida a quem eu quiser, pode colocar na quentinha que eu vou levar!
      O dia continua rastejando, como se fosse um martírio, dormem para esquecer a fome, para alimentar a alma de sonhos, de desejo de sair dessa vida. Sonham com uma mesa farta, um coberto limpo, uma cama longe de baratas, ratos, excrementos, coceiras. Sonham com uma família. Uma camisa se transforma em seu coberto e ao mesmo tempo em sua vestimenta. De conchinha, se dobra como um malabarista e se enrola e se veste, e dorme, e se curva com dor de fome, dor de alma, dor que chega a ser de parto a fórceps. 
      Como dizem, os animais são amigos leias, são os seus melhores amigos. Eles têm pena dos bichos que ficam soltos, cuidam como se fossem a um filho, já que filhos muitos não podem ter, apesar de ver mães com um em cada braço e outros no chão em fila indiana. Alimentam os animais dividindo metade da migalha que comem. Não têm preconceito, só querem um pouco de atenção, que muitos de nós se recusam a sequer ouvir, sendo que muitos de nós contribuímos para que eles estivessem ali. Continuem jogando comida fora, continuem olhando torto ou não olhando. Continuem sem humanidade. Continuem sem alma, cegos de enxergar o lugar errado.  
      Para alguns as drogas é o refúgio, é o transcedente, o nirvana. Já não sentem frio, nem calor. Dormem em chão de pedra ou de mármore, ao relento, debaixo de chuva, debaixo de um sol escaldante em pleno meio dia de Salvador. Linha do Equador. Já não sentem fome. Já não têm mais esperanças. Já não vivem. 
    As pessoas continuam a passar, continuam a não enxergar, continuam a pisar, a chutar, a desperdiçar comida, negar amor. O centro das cidades, é o centro de todas as dores, de todos os sofrimentos, discriminações, preconceitos, exclusões, e falta de vergonha na cara das pessoas que humilham seu semelhante, que julgam, que cospem, escarram como se fossem lixo. Não aguento mais ir ao centro da cidade e ver gringos, e delegacia para turista, e lojas para turistas, e atenção para os turistas, e "puxa saquismo" de turistas, e "babação de ovo" de turista, e principalmente policiais para os pobres, miseráveis, pretos dessa cidade, que escancara descaradamente seu amor ao povo. Estou cansada de politicagem, de falso moralismo, demagogia, hipocrisia, e tudo de "ia" que existe nessa podridão. Estamos precisando de uma lavagem cerebral ou a vida terá sempre esse quê de futilidade. 

2 comentários:

Naiana P. de Freitas disse...

As pessoas continuam a passar, continuam a não enxergar, continuam a pisar, a chutar, a desperdiçar comida, negar amor...
oi Milena...adorei a frase!! Ah o título forte tb. concordo! :)

Evandro L. Mezadri disse...

Muito forte, dramático e verdadeiro o seu texto.
Infelizmente nos dias de hoje, as pessoas são movidas apenas por números, ambições, metas, etc...
A sensibilidade humana e a noção de companheirismo estão sendo banidas...
Grande abraço, sucesso e obrigado pelas palavras em sua visita!