domingo, 13 de junho de 2010

"Luísa sou eu"

"    Pois embora hoje eu te tenha perto, eu acho graça do meu pensamento a conduzir o nosso amor indiscreto. E se acontecer de desorganizar de vez a vida, a calma? devoro mais um morango e me lambuzo de tédio. Sejamos discretos, pedi. Mas como ocultar o que é transparente? Eu proponho nós nos amarmos, nos entregarmos. No fundo a gente acaba orientando nossas escolhas com certa sabedoria.
    O que será que será, o que não tem decência nem nunca terá, o que não tem censura nem nunca terá, o que não faz sentido. Você precisa aprender o que eu sei, e o que não sei mais. Por que é que ele não foi para a Legião Estrangeira depois do primeiro encontro? Teria sido perfeito: um homem que me dava o maravilhoso e ia embora, sem tempo para me magoar. Fico mansa, amanso a dor. 
    Tente passar pelo que estou passando, tente me amar como estou te amando. Todos os dias tenho que vê-lo. Todos os dias me entrego à sua maldição. Queria que você dissesse: foi penoso meu fim de semana. Olho o relógio iluminado, anúncios luminosos, luzes da cidade. Estrelas no céu, e me queimo num fogo louco de paixão. Ontem, por alguns instantes consegui esquecê-lo. Parei de escrever no dia em que percebi que seria no máximo um poeta mínimo.
    Mais uma vez minha alegria, meus humores estão nas mãos de alguém. Não, não vou outorgar a ele esse poder. Ah, que esse cara tem me consumido. A mim e a tudo o que eu quis.Estou repetindo a mesma história de angústia vivida antes, civilizadamente. Que vergonha da minha ansiedade e da minha carência. Meu olhar vara, vasculha a madrugada. Baby te amo, só sei que te amo.
    A cada fim de semana reinvento a cena de reencontro dizendo a mim mesma: nesta segunda vai ser diferente. Mas nunca é, ele nunca diz as frases que imaginei. Berro por seu berro. Pelo seu erro. Quero que você me ganhe. Que você me apanhe. Se não posso estar com você, mantenho-o no meu pensamento o tempo todo. Pelo amor de Deus, diga qualquer coisa bonita!
    No amor a tortura está por um triz. Eu fico com essa dor, ou essa dor tem que morrer. Que vontade de te ligar, surpreendê-lo nesta noite de domingo, marcar um encontro, fazer uma loucura. Chega de tentar dissimular, e disfarçar, e esconder, o que não dá mais pra ocultar. Sim, eu vou a muitos lugares, mas a vida sem você é apenas um pedaço de angústia.
    E porque foram tão raros e escassos os delírios, talvez esta ansiedade, esta dor aguda, esta insônia, o suspirar entrecortado, a voz rouca, e ao mesmo tempo fina. E se eu disser que estou apaixonada? que diferença isso vai fazer? Ocultamos excessos, sufocamos a vontade de nos expor sem reticências e o que acabamos exibindo um ao outro é um arremedo de envolvimento, mesmo sabendo quanto isso nos faz mal.
    Como suportar outra vez a dependência, a sujeição, a espera contínua de uma palavra ou de um gesto? A força do beijo, por mais que vadia, não sacia mais. Não quero sair pra lugar nenhum. Some day hell come alone, the man I love. Feliz aniversário. Saudade do tempo em que isso era verdade. Tanto tempo, meu Deus, tanto tempo... Que grande catástrofe esta paixão.
    Louca de amor e de dor, nem a morte me parece uma alternativa. É tão terrível esse sentimento de não pertencer mais a nada,  de não querer nada. Não tenho mais lugar em lugar nenhum. Solto o ódio, mato o amor. E continuamos, continuamos. Já foi o tempo em que eu cantava explode coração. Eu sei esses detalhes vão sumir na longa estrada, no tempo que transforma todo o amor em quase nada. Finalmente, ambos libertos. Noite. Soçobro. Vou me vestir de luto e vou sofrer uma grande, uma enorme tristeza por essa perda, mas um dia, ao acordar vou perceber que você não ocupa mais meus pensamentos. Abundantemente breu, abundantemente fel".


Esse texto é o resultado da junção, feita por mim,  de trechos do último capítulo "Noite e dia"(diário de Luísa), do livro Luísa (Quase uma história de amor), de Maria Adelaide Amaral.

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